Haviam tantas possibilidades e Daniel não conseguia escolher uma, se concentrar, e tentar entender o que havia acontecido. O dia em que acordou com amnésia num quarto de hospital continuava a voltar-lhe a memória. Uma criança magrela, cabelos castanhos cacheados e de um olhar intrigante ou talvez confuso. Ninguém o conhecia e ele não reconhecia absolutamente nada. Suas lembranças não tinham palavras apenas imagens.
O olhar daquele homem era igual ao seu e isso o impressionou mais que a própria imagem de seu gêmeo, o fez sentir fraco, inexpressivo, insipiente, onde ele sentia-se uma cópia e o outro o detentor da alma. Um medo profundo tentava se apoderar do seu consciênte como se toda sua existência fosse repentinamente ser apagada. Daniel sabia que um dia poderia encontrar seu semelhante em uma de suas missões mas esta possibilidade era ínfima. Ele sempre se sentira deslocado no espaço e no tempo, ele não saberia interpretar seu mal estar.
A estação de pesquisa do planalto central tinha sido escolhida como unidade de controle e intervensão. Para Daniel as duas dimensões alternativas que ele monitorava eram não mais que parte de seu trabalho, até aquele momento. A sua função era evitar os eventos que pudessem vir a gerar outras dimensões. O seu próprio universo já era fruto de um desses eventos e a existência de outros universos paralelos teria causado um desequilibrio que vinha sendo controlado.
Daniel aguardava inquieto. Tomar de volta o controle de suas emoções demorou tempo bastante para que o ciêntista sênior de sua estação de pesquisa chegasse e começasse o interrogatório. Seu superior entrou na sala agitado, cabelos mais arrepiados que o normal.
- Daniel, vc era o coordenador dessa missão, o que aconteceu, já sabem se foi aberta uma nova dimensão, o que houve de errado?
Daniel ainda não sabia o que dizer, essa era a primeira vez que houvera um erro, mesmo as primeiras missões tinham sido perfeitas, e os sinais ainda não tinham sido decodificados, se outra dimensão surgira, eles levariam algumas horas para saber.
- Dr. Grispem, sinto muito mas ainda não sei dizer o que houve mas posso afirmar que não foi nenhum defeito com nossos equipamentos. Havia algo de diferente no evento. Um dos elementos humanos se movia e tomou conhecimento de nossa presença, era como se ele quase conseguisse escapar de sua dimensão e entrar na zona de ativação. E este elemento era o meu semelhante. Fiquei um pouco aturdido ao me reconhecer naquela cena mas logo em seguida pude ve-lo mover-se fora do padrão do doppler, e ele me olhou nos olhos e tenho certeza que também me reconheceu. Foi quando tentei impedir a contagem para a intervenção final mas já era tarde. O evento não retrocedeu, simplesmente pareceu deixar de existir, a zona neutra voltou a escurecer e voltamos para a estação. Em nossos sistemas o sinal continuou em alerta como se nossa intervenção não tivesse funcionado.
- Seu gêmeo, que coisa estranha, tão poucas chances de ocorrer um encontro desses. Seria pura coincidência isso ocorrer justamente na primeira vez que falhamos?
- Ele falou alguma coisa?
- Não
- Alguma outra coisa fora do padrão chamou atenção? perguntou Dr. Grispem
- As coordenadas de localização do evento são bastante intrigantes, são as mesmas que, em nossos cálculos, geraram o evento que criou nossa dimensão.
- Você sabe que não acredito em coincidências, investigem as possibilidades, vou ver o que consigo descobrir a esse respeito. Me mantenha informado.
- Se ao menos pudessemos mandar alguem a dimensão origem para sabermos o que anda acontecendo por lá, esses flashes são insuficientes.
- Júlia, por favor não comece com essas idéias novamente, você sabe que isso nunca funcionou e não vou arriscar você, por todos os motivos que você conhece e por outros que você nem imagina.
- Tim Robbins novamente! Ele não tinha o perfil adequado para o trabalho, por isso falhou. Nunca mais conseguimos mais ninguém com padrões de ondas cerebrais sincronizados. Tem que ser eu, me deixa tentar.
- Não Júlia, temos muito o que testar antes, e nesse momento preciso me dedicar a essa confusão. Me ajuda com isso, não me crie mais uma preocupação.
Júlia era outro integrante da selecionada equipe do Dr. Grispem, adorada e mimada por todos, principalmente por Daniel. Não era bem uma cientista, alguns a chamavam de mascote, o que ela realmente sentia-se ofendida, contudo, mais adequado seria chama-la de "a chave para outra dimensão". Encontra-la entre os bilhões de habitantes do planeta foi uma tarefa difícil. Tim Robbins realmente não era a chave ideal. Júlia era menina quando o experimento com Tim deu errado, desde então mais ninguem tentou visitar uma outra dimensão.